quarta-feira, dezembro 16, 2009

Bráulio Tavares por Lenine

O Marco Marciano
Bráulio Tavares

Pelos auto-falantes do universo
Vou louvar-vos aqui na minha loa
Um trabalho que fiz noutro planeta
Onde nave flutua e disco voa:
Fiz meu marco no solo marciano
Num deserto vermelho sem garoa

Este marco que eu fiz é fortaleza.
Elevando ao quadrado Gibraltar!
Torreão, levadiça, raio-laser
E um sistema internet de radar:
Não tem sonda nem nave tripulada
Que consiga descer nem decolar.

Construi o meu marco na certeza
Que ninguém, cibernético ou humano.
Poderia romper as minhas guardas
Nem achar qualquer falha no meu plano
Ficam todos em Fobos ou em Deimos
Contemplando o meu marco marciano

O meu marco tem rosto de pessoa
Tem ruínas de ruas e cidades
Tem muralhas, pirâmides e restos
De culturas, demônios, divindades:
A história de Marte soterrada
Pelo efêmero pó das tempestades

Construi o meu marco gigantesco
Num planalto cercado por montanhas
Precipícios gelados e falésias
Projetando no ar formas estranhas
Como os muros Ciclópicos de Tebas
E as fatais cordilheiras da Espanha

Bem na praça central, um monumento
Embeleza meu marco marciano:
Um granito em enigma recortado
Pelos rudes martelos de Vulcano:
Uma esfinge em perfil contra o poente
Guardiã imortal do meu arcano.

por Lenine:

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Waly Salomão por Adriana Calcanhotto

Teu nome mais secreto
Waly Salomão

Só eu sei teu nome mais secreto
Só eu penetro em tua noite escura
Cavo e extraio estrelas nuas
De tuas constelações cruas

Abre-te Sésamo! - brado ladrão de Bagdá

Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada.

por Adriana Calcanhotto:

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Érico Veríssimo por Yamandu Costa

"Ana Terra", música inspirada na personagem de O Continente, primeira parte da trilogia O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo.
por Yamandu:


Resumo da obra:
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Tempo_e_o_Vento

Download da obra:
http://www.easy-share.com/1904435338/Erico%20Verissimo%20-%20O%20Tempo%20e%20o%20Vento%201%20-%20O%20Continente.doc.zip

terça-feira, novembro 24, 2009

Lirinha por ele mesmo em música de Otto

Conforto alucinante, tranquilidade na clareira do caos
O ponteiro, ele rodou mais rápido no mesmo relógio de ontem
O que as horas guardam nos espaços do contra-tempo?
A mulher?

O desejo é um tempo parado
É quando se trocam as datas dos bichos e das flores
É quando aumenta a rachadura da velha parede
É quando se vira a folha, a folha da história
É quando se pinta um fio branco na cabeleira preta
É quando se endurece o rastro de sorriso

No canto dos olhos
Eu sei que a viagem é longa
A voz vai e vem
Você ta aí?
Você ta aí?
Ei, você está aí?

Vontade de abraçar o infinito

Otto e Lirinha:

segunda-feira, novembro 23, 2009

Lula Freire por Roberto Menescal (Bossacucanova)

Feitinha pro poeta

Lula Freire

Ah! quem me dera ter a namorada
Que fosse para mim a madrugada
De um dia que seria minha vida
E a vida que se leva é uma parada
E quem não tem amor não tem é nada
Vai ter que procurar sem descansar
Tem tanta gente aí com amor pra dar
Tão cheia de paz no coração
Que seja carioca no balanço
E veja nos meus olhos seu descanso
Que saiba perdoar tudo que faço
E querendo beijar me dê um abraço
Que fale de chegar e de sorrir
E nunca de chorar e de partir
Que tenha uma vozinha bem macia
E fale com carinho da poesia
Que seja toda feita de carinho
E viva bem feliz no meu cantinho
Que saiba aproveitar toda a alegria
E faça da tristeza o que eu faria
Que seja na medida e nada mais
Feitinha pro Vinicius de Moraes
Enfim que venha logo e ao chegar
Vá logo me deixando descansar
descansar descansar

por Roberto Menescal (Bossacucanova):

sábado, novembro 21, 2009

ESPECIAL
Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928).
De Mário de Andrade por Iará Rennó.

Em um curso de literatura da faculdade de letras da USP Iara Rennó identificou a musicalidade da obra "Macunaíma: o herói sem nenhum caráter" (1928) de Mário de Andrade. Assim nascia o projeto Macunaó.perai.matupi ou Macunaíma Ópera Tupi (2008).

Todas as canções da recriação de Iara são trechos do livro. Então, é só dar play no tocador e seguir as passagens da obra. Utilizei a edição de 1997 da Fondo de Cultura. [Entre colchetes, para entender melhor a cena, acrescento as passagens não utilizadas nas canções. Ao final de cada uma delas cito as páginas].



1. Macunaíma

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma [, herói da nossa gente]. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. [Essa criança é que chamaram de Macunaíma.]
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:
- Ai! Que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. [E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz-que habitando a água-doce por lá.] No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a murua a poracê o toré o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.
[p.5-6]

2. Mandu-Sarará

[Principiou um calorão que tomou a jangada, se alastrou nas águas e dourou a face limpa do ar. Macunaíma deitado na jangada lagarteava numa quebreira azul. E o silêncio alargando tudo...
— Ai... que preguiça...
o herói suspirou. Se ouvia o murmurejo da onda, só. Veio um enfaro feliz subindo pelo corpo de Macunaíma, era bom... A cunhatã mais moça batia o urucungo que a mãe trouxera da África. Era vasto o paraná e não tinha uma nuvem na gupiara elevada do céu. Macunaíma cruzou as munhecas no alto por detrás fazendo um cabeceiró com as mãos e enquanto a filha-da-luz mais velha afastava os mosquitos borrachudos em quantidade, a terceira chinoca com as pontas das tranças fazia estremecer de gosto a barriga do herói. E era se rindo em plena felicidade, parando pra gozar de estrofe em estrofe que ele cantava assim:]

"Quando eu morrer não me chores,
Deixo a vida sem sodade;
- Mandu sarará,
Tive pro pai o desterro,
Por mãe a infelicidade,
- Mandu sarará ...
Papai chegou e me disse:
- Não hás de ter um amor!
- Mandu sarará,
Mamãe veio e me botou
Um colar feito de dor,
- Mandu sarará ...
Que o tatu prepare a cova
Dos seus dentes desdentados,
- Mandu sarará ...
Para o mais desinfeliz
De todos os desgraçados,
- Mandu sarará ..."
[p. 67-68]

3. Nina Macunaíma

[Assim. Então descia e chorava encostado no ombro de Maanape. Jiguê soluçando de pena animava o togo da caieira pra que o herói não sentisse frio. Maanape engulia as lágrimas, invocando o Acutipuru o Murucututu o Ducucu, todos esses donos do sono em acalantos assim:

"Acutipuru,
Empresta vosso sono
Pra Macunaíma
Que é muito manhoso!..."

[Catava os carrapatos do herói e o acalmava balanceando o corpo. O herói acalmava acalmava e adormecia bem.]
[p. 29]

4. Conversa

[Macunaína chegava. Sentou no fundo da igarité virada, esperando. Quando viu que eles tinham acabado de brincar, falou pro chofer:]

- Faz três dias que não como,
Semana que não escarro
Adão foi feito de barro,
Sobrinho, me dá um cigarro.

[O chofer secundou:]

- Me desculpe, meu parente,
Si cigarro não lhe dou;
A palha o fosfre e o goiano
Caiu n'água, se molhou.
[p. 128-129]

5. Quando mingua a luna

[Estava desconsolado de não ter força ainda e vinha numa distração tamanha que deu uma topada.
Então de tanta dor o herói viu no alto as estrelas e entre elas enxergou Capei minguadinha cercada de névoa.] "Quando mingua a Luna não comeces coisa alguma''
suspirou. [E continuou consolado.]
[p.56]

[Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto era sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que] "espinho que pinica, de pequeno já traz ponta" [, e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente].
[p.8]

[No outro dia Jiguê estava procurando a cabaça quando topou com o tatucanastra feiticeiro chamado Caicãe que nunca teve mãe. Caicãe sentado na porta da toca puxou a violinha dele feita com a outra metade da abobra encantada e agarrou cantando assim:]

"Vote vote coandu!
Vote vote cuati!
Vote vote taiçu!
Vote vote pacari!
Vote vote canguçu!
Êh!..."

[Assim. Vieram muitas caças. Jiguê, reparando. Caicãe atirou a violinha encantada por aí, pegou num porrete e foi matar todo aquele poder de caças que estavam feito bobas. Então Jiguê roubou a violinha do feiticeiro Caicãe que nunca teve mãe.]
[p.150]

6. Jardineiro

[...] [Tinha um pé de carambola e Macunaíma principou arrancando ramos do caramboleiro pra se amoitar por debaixo. Os ramos cortados agarraram pingando água de lágrima e se escutou o lamento do caramboleiro:]

"Jardineiro de meu pai,
Não me cortes meus cabelos,
Que o malvado me enterrou
Pelo figo da figueira
Que passarinho comeu...
- Chó, chó, passarinho!"

Todos os passarinhos choraram de pena gemida nos ninhos e o herói gelou de susto. [Agarrou no patuá que trazia entre os berloques do pescoço e traçou uma mandinga. O caramboleiro virou numa princesa muito chique. O herói teve um desejo danado de brincar com a princesa porém Oibê já devia de estar estourando por aí.]
[p.143-144]

7. Naipi

[Caminhando caminhando, uma feita em que a arraiada principiava enxotando a escureza da noite, escutaram longe um lamento de moça. Andaram légua e meia e encontraram uma cascata chorando sem parada. Macunaíma perguntou pra cascata:
- Que é isso!
- Chouriço!
- Conta o que é.
E a cascata contou o que tinha sucedido pra ela.]
- Não vê que chamo Naipi e sou filha do tuxáu Mexê-Mexoitiqui [nome que na minha fala quer dizer Engatinha-Engatinha. Eu era uma boniteza de cunhatã] e todos os tuxáuas [vizinhos] desejavam dormir na minha rede e provar meu corpo mais molengo que embiroçu. [Porém quando algum vinha eu dava dentadas e contapés por amor de experimentar a força dele. E todos não agüentavam e partiam sorumbáticos.]
Minha tribo era escrava da boiúna Capei [que morava num covão em companhia das saúvas. Sempre no tempo em que os ipês de beira-rio se amarelavam de flores a boiúna vinha na tava escolher a cunhã virgem que ia dormir com ela na socava cheia de esqueletos.]
Quando meu corpo chorou sangue pedindo força de homem pra servir, a suinara cantou manhãzinha nas jarinas de meu tejupá, veio Capei e me escolheu. Os ipês de beira-rio relampeavam [de amarelo] e todas as flores caíram nos ombros [soluçando] do moço Titçatê [guerreiro do meu pai. A tristura talqualmente correição de sacassaia viera na tava e devorara até o silêncio.]
[Quando o pajé velho tirou a noite do buraco outra vez,] Titçatê ajuntou as florzinhas [perto dele] e veio com elas pra rede da minha última noite livre. Então mordi Titçatê.
O sangue espirrou na munheca mordida porém o moço não fez caso não, gemeu de raiva amando, me encheu a boca de flores que não pude mais morder. [Titçatê pulou na rede] e Naipi serviu Titçatê.
[Depois que brincamos feito doidos entre sangue escorrendo e as florzinhas de ipê, meu vencedor me carregou no ombro me jogou na ipeigara abicada num esconderijo de aturiás e flechou pro largo rio Zangado, fugindo da boiúna.]
[p.29-30]

8. Bamba querê

[Entre golinhos de abrideira, uns de joelhos outros de quatro, todas essas gentes seminuas rezavam em torno da feiticeira pedindo a aparição dum santo. À meianoite foram lá dentro comer o bode cuja cabeça e patas já estavam lá no pegi, na frente da imagem de Exu que era um tacuru de formiga com três conchas fazendo olhos e boca. O bode fora morto em honra do diabo e salgado com pó de chifre e esporão de galo-de-briga.A mãe-de-santo puxou a comilança com respeito e três pelo-sinais de atravessado. Toda a gende vendedores bibliófilos pés-rapados acadêmicos banqueiros, todas essas gentes dançando em volta da mesa cantava:]

"Bamba querê
Sai Aruê
Mongi gongô
Sai Orobô
Êh! ...

Ô mungunzá
Bom acaçá
Vancê nhamanja
De pai Guenguê,
Êh! ..."

[E conversando pagodeando devoraram o bode consagrado e cada qual buscando o garrafão de pinga dele porque ninguém não podia beber no de outro, todos beberam muita caninha, muita! Macunaíma dava grandes gargalhadas e de repente derrubou vinho na mesa. Era sinal de alegrão pra ele e todos imaginavam que o herói era o predestinado daquela noite santa. Não era não.]
[p.59-60]

9. Dói dói dói

[...] [Mas recebeu com carinho o herói e prometeu tudo o que ele pedisse porque Macunaíma era filho. E o herói pediu que Exu fizesse sofrer Venceslau Pietro Pietra que era o gigante Piaimã comedor de gente.
Então foi horroroso o que se passou. Exu pegou três pauzinhos de erva-cidreira benta por padre apóstata, jogou pro alto, fez encruzilhada, mandando o eu de Venceslau Pietro Pietra vir dentro dele Exu pra apanhar. Esperou um momento, o eu do gigante veio, entrou dentro da fêmea, e Exu mandou o filho dar a sova no eu que estava encarnado no corpo polaco. O herói pegou uma tranca e chegou-a em Exu com vontade. Deu que mais deu. Exu gritava:]

- Me espanca devagar
Que isto dói dói dói!
Também tenho família
E isto dói dói dói!

Enfim roxo de pancada sangrando pelo nariz pela boca pelos ouvidos caiu desmaiando no chão. [E era horroroso...] Macunaíma ordenou que o eu do gigante fosse tomar um banho salgado e fervendo e o corpo de Exu fumegou molhando o terreno. E Macunaíma ordenou que o eu do gigante fosse pisando vidro através dum mato de urtiga e agarra-compadre até as grunhas da serra dos Andes pelo inverno e o corpo de Exu sangrou com lapos de vidro, unhadas de espinhos e queimaduras de urtiga ofegando de fadiga e tremendo de tanto frio. [Era horroroso.] E Macunaíma ordenou que o eu de Venceslau Pietro Pietra recebesse o guampaço dum marruá, o coice dum bagual, a dentada dum jacaré e os ferrões de quarenta vezes quarenta mil formigas-de-fogo e o corpo de Exu retorceu sangrando empolando na terra, com uma carreira de dentes numa perna, com quarenta mil ferroadas de formiga na pele já invisível, com a testa quebrada pelo casco dum bagual e um furo de aspa aguda na barriga. [A saleta se encheu dum cheiro intolerável. E Exu gemia:]

- Me chifra devagar
Que isto dói dói dói!
Também tenho família
E isto dói dói dói!

[Macunaíma ordenou muito tempo muitas coisas assim e tudo o eu de Venceslau Pietro Pietra agüentou pelo corpo de Exu. Afinal a vingança do herói não pôde inventar mais nada, parou. A fêmea só respirava levinho largada no chão de terra. Teve um silêncio fatigado. E era horroroso.]
[p.62-63]

10. Na beira do Uraricoera

[...] [Noite chegada, enxergando as luzinhas dos afogados sambando manso nas ipueiras da cheia, Macunaíma olhava olhava e adormecia bem. Acordava esperto no outro dia e erguido na proa da igarité com o argolão da gaiola enfiado no braço esquerdo, repinicava na violinha botando a boca no mundo cantando saudades da querência, assim:]

"Antianti é tapejara,
- Pirá-uauau,
Ariramba é cozinheira,
- Pirá-uauau,
Taperá, onde a tapera
Da beira do Uraricoera?
- Pirá-uauau..."

[E o olhar dele espichando espichando descia a pele do rio em busca dos pagos da infância. Descida a cada cheiro de peixe cada noite de craguatá cada tudo punha entusiasmo nele e o herói botava a boca no mundo feito maluco fazendo emboladas e traçados sem sentido:]

"Taperá tapejara,
- Caboré,
Arapaçu passoca,
- Caboré,
Manos, vamos-se embora
Pra beira do Uraricoera!
- Caboré!"
[p.137]

11. Valei-me

[...] [Rumaram pra sudoeste e nas alturas de Barbacena o fugitivo avistou uma vaca no alto duma ladeira calçada com pedras pontudas. Lembrou de tomar leite.] Subiu esperto pela capistrana pra não cansar porém a vaca era de raça Guzerá muito brava. [Escondeu o leitinho pobre. Mas Macunaíma fez uma oração assim:]

"Valei-me Nossa Senhora,
Santo Antônio de Nazaré,
A vaca mansa dá leite
A braba dá si quisé!"

[A vaca achou graça, deu leite e o herói chispou pro sul.]
[p. 52]

12. Rudá

[Nas noites de amargura ele trepava num açaizeiro de frutas roxas como a alma dele e contemplava no céu a figura faceira de Ci. "Marvada!" que ele gemia... Então ficava muito sofrendo, muito! e invocava os deuses bons cantando cânticos de longa duração...]

"Rudá, Rudá!...
Tu que secas as chuvas,
Faz com que os ventos do oceano
Desembestem por minha terra
Pra que as nuvens vão-se embora
E a minha marvada brilhe
Limpinha e firme no céu!...
Faz com que amansem
Todas as águas dos rios
Pra que eu me banhando neles
Possa brincar com a marvada
Refletida no espelho das águas!..."
[p. 28]

13. Taperá

[Plantou uma semente do cipó matamatá, filho-da-luna, e enquanto o cipó crescia agarrou numa itá pontuda escreveu na lage que já fora jaboti num tempo muito de dantes:

NÃO VIM NO MUNDO PARA SER PEDRA

A planta já tinha crescido e se agarrava numa ponta de Capei. O herói capenga enfiou a gaiola dos legornes no braço e foi subindo pro céu. Cantava triste:

" Vamos dar a despedida,
— Taperá,
Taleqüal o passarinho,
— Taperá,
Bateu asa foi-se embora,
— Taperá,
Deixou a pena no ninho.
— Taperá..."

[Lá chegando bateu na maloca de Capei. A Lua desceu no terreiro e perguntou:
— Quê que quer, saci?
— Abênção minha madrinha, me dá pão com farinha?
Então Capei reparou que não era saci não, era Macunaíma o herói. Mas não quis
dar pensão pra ele, se lembrando do fedor antigo do herói. Macunaíma enfezou. Deu
uma porção de munhecaços na cara da Lua. Por isso que ela tem aquelas manchas
escuras na cara.]
[p.165]

14. Boi

[Os trabalhadores estumaram a cachorrada no herói. Isso mesmo que ele queria porque teve medo e chispou bem. Na frente abria a estrada das boiadas. Macunaíma isso vinha que vinha acochado pela sombra, nem turtuveou: meteu pelo estradão. Mais adiante estava dormindo um boi malabar chamado Espácio que viera do Piauí. O herói deu um trompaço nele de tanta fúria. Isso o boi saiu numa galopada louca de susto e lá foi cego manadeiro abaixo. Então Macunaíma quebrou por uma picada sem jeito e se amoitou por debaixo dum mucumuco. A sombra escutava a bulha do marruá galopeando e imaginou que era Macunaíma, foi atrás. Alcançou o boi e pra não perder a pernada fez poleiro no costado dele. E cantava satisfeita:]

"Meu boi bonito,
Boi Alegria,
Dá um adeus
Pra toda a família!

ôh... êh bumba,
Folga meu boi!
Ôh... êh bumba,
Folga meu boi!"

[Porém nunca mais que o boi pôde comer, a sombra engolia tudo antes do bicho. Então o marruá foi ficando jururu ficando jururu magruço e lerdo. Quando passou pelo rincão chamado Água Doce perto de Guarapes, o boi mirou sarapantado bem no meio do areão a vista linda, um laranjal cheio de sombra com a galinha ciscando por baixo. Era sinal de morte... A sombra desenganada cantava agora:]

"Meu boi bonito,
Boi desengano,
Dá um adeus,
Até para o ano!

- ôh.-.. êh bumba,
Folga meu boi!"
ôh... êh bumba,
Folga meu boi!

[No outro dia o marruá estava morto. Foi esverdeando esverdeando... A sombra muito penarosa se consolava cantando assim:

"O meu boi morreu,
Quê será de mim?
Manda buscar outro,
— Maninha,
Lá no Bom Jardim..."

E o Bom Jardim era uma estância do Rio Grande do Sul. Então veio vindo uma giganta que gostava de brincar com o marruá. Viu o boi morto,-chorou bem e quis levar o cadáver pra ela.
A sombra teve raiva e cantou:]

"Arretira-te, giganta,
Que o caso está perigoso!
Quem se arretirou amante
az ação de generoso!"

[A giganta agradeceu e foi embora dançando. Então passou por ali o indivíduo chamado Manuel da Lapa carregado de folha de cajueiro e de rama de algodão. A sombra saudou o conhecido:]

"Seu Manué que vem do Açu,
Seu Manué que vem do Açu,
Vem carregadinho de folha de caju!

Seu Manué que vem do sertão,
Seu Manué que vem do sertão,
Vem carregadinho de rama de algodão!"

[Manuel da Lapa ficou muito concho com a saudação e pra agradecer dançou um sapateado e cobriu o cadáver com a folha de caju e a rama de algodão. O velho já estava tirando a noite do buraco e a sombra toda confundida não via mais o boi debaixo dos flocos e da folhagem. Principiou dançando à procura dele. Um vaga-lume se admirou daquilo e cantou perguntando:]

"Linda pastorinha
Que fazeis aqui?"

"Vim buscar meu gado,
Maninha,
Que eu aqui perdi".

[Foi como a sombra secundou cantando. Então o vaga-lume dançando voou do tronco pra baixo e mostrou o boi pra sombra. Ela trepou na barriga verde do morto e ficou chorando ali.
No outro dia o boi estava podre. [...]
E foi assim que inventaram a festa famanada do Bumba-meu-Boi, também conhecida por Boi-Bumbá]. [...]
[p.154-156]

Mário de Andrade por Dona Zica

Macunaíma
Mário de Andrade

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma
(Herói da nossa gente)
Era preto retinto e filho do medo da noite.

Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia.
Macunaíma já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:
- Ai! Que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. (Pouca saúde, muita saúva pouca saúde, muita saúva os males do Brasil são).
Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. (Acuti pita canhém)
(...)
No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a murua a poracê o toré o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.

por Dona Zica:

sexta-feira, novembro 20, 2009

Pablo Neruda por Mercedes Sosa

Poema 15
Pablo Neruda

Me gusta cuando callas porque estás como ausente
y me oyes desde lejos y mi voz no te toca,
parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Me gustas cuando callas y estás como distante
y estás como quejándote mariposa en arrullo,
y me oyes desde lejos y mi voz no te alcanza
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara simple como un anillo,
te pareces a la noche callada y constelada
tu silencio es la estrella tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente
distante y dolorosa como si hubieras muerto,
una palabra entonces, una sonrisa bastan
y estoy alegre, alegre de que no sea cierto,
una palabra entonces, una sonrisa bastan
y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

por Mercedes Sosa:

quinta-feira, novembro 19, 2009

Mário Quintana por Márcio Faraco

A imagem perdida
Mário Quintana

Como essas coisas que não valem nada
E parecem guardadas sem motivo
Alguma folha seca... uma taça quebrada
Eu só tenho um valor estimativo...

Nos olhos que me querem é que eu vivo
Esta existencia efêmera e encantada...
Um dia hão de extinguir-se, então, mais nada

Mais nada
Refletirá meu vulto vago e esquivo...
E cerraram-se os olhos das amadas,
O meu nome fugiu de seus lábios vermelhos,
Nunca mais, de um amigo, o caloroso abraço...

E, no entretanto, em meio desta longa viagem,
Muitas vezes parei... e, nos espelhos,
Procuro em vão, minha perdida imagem!

por Márcio Faraco:

quarta-feira, novembro 18, 2009

Pablo Neruda por Jorge Drexler

El Monte y El Rio
Pablo Neruda

En mi patria hay un monte.
En mi patria hay un río.

Ven conmigo.

La noche al monte sube.
El hambre baja al río.

Ven conmigo.

¿Quiénes son los que sufren?
No sé, pero son míos.

Ven conmigo.

No sé, pero me llaman
y me dicen "Sufrimos".

Ven conmigo.

Y me dicen: "Tu pueblo,
tu pueblo desdichado,
entre el monte y el río,

con hambre y con dolores,
no quiere luchar solo,
te está esperando, amigo".

Oh tú, la que yo amo,
pequeña, grano rojo
de trigo,
será dura la lucha,
la vida será dura,
pero vendrás conmigo.

por Jorge Drexler:

terça-feira, novembro 17, 2009

Geraldo Carneiro por Ney Matogrosso

As Ilhas
Astor Piazzola/Geraldo Carneiro

Vi mosca urdindo fios
De sombra na madrugada
Vi sangue numa gravura
E morte em caras paradas

Via vis de meia noite
E frutas elementares
Vi a riqueza do mundo
Em bocas disseminadas

Vi pássaros transparentes
Em minha casa assombrada
Vi coisas de vida e morte
E coisas de sal e nada

Vi um cachorro sem dono
À porta de um cemitério
Vi a nudez nos espelhos
Cristas na noite velada

Vi uma estrela no meio
Da noite cristalizada
Vi coisas de puro medo
Na escuridão espelhada

Vi um cruel testamento
De anjos na madrugada
Vi fogo sobre a panela
No forno de uma cozinha

Vi bodas inexistentes
De noivas assassinadas
Vi peixes no firmamento
E tigres no azul das águas

Mas não via claramente
A circulação das ilhas
Nos rios e nas vertentes
E vi que não via nada
Nada, nada...

por Ney Matogrosso:


Geraldo Carneiro, poeta mineiro: http://www.geraldocarneiro.com/

segunda-feira, novembro 16, 2009

Torquato Neto por Zeca Baleiro e Fagner

Daqui Pra Lá, De Lá Pra Cá
Torquato Neto

Era um pacato cidadão sem documento
Não tinha nome profissão não tinha tempo
Mas certo dia deu-se um caso
E ele embarcou num disco
E foi levado pra bem longe
Do asterisco em que vivemos

Ele partiu e não voltou
E não voltou porque não quis
Quero dizer ficou por lá
Já que por lá se é mais feliz

E um espaçograma ele enviou
Pra quem quisesse compreender
Mas ninguém nunca decifrou
O que ele nos mandou dizer
Terra mar e ar atenção
O futuro é hoje e cabe na palma da mão

Para azar de quem não sabe e não crê
Que se pode sempre a sorte escolher
E enterrar qualquer estrela no chão
Viet vista visão viet vista visão

Terra mar e ar atenção
Fica a morte por medida
Fica a vida por prisão

por Zeca Baleiro e Fagner:

quinta-feira, novembro 12, 2009

Carlos Drummond de Andrade por Belchior

Cota Zero
Carlos Drummond de Andrade

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?

por Belchior:

domingo, novembro 08, 2009

Federico García Lorca por Paco Ibáñes

La más bella niña
Federico García Lorca

La más bella niña
de nuestro lugar,
hoy viuda y sola
y ayer por casar.
Viendo que sus ojos
a la guerra van,
a su madre dice
que escucha su mal,

Dejadme llorar,
orillas del mar.

Pues me diste, madre,
en tan tierna edad
tan corto el placer,
tan largo el pesar
y me cautivaste
de quien hoy se va
y lleva las llaves
de mi libertad.

Dulce madre mía,
¿quién no llorará,
aunque tenga el pecho
como un pedernal
y no dará voces
viendo marchitar
los más verdes años
de mi mocedad?

En llorar conviertan
mis ojos, de hoy más,
el sabroso oficio
del dulce mirar,
pues que no se pueden
mejor ocupar,
yéndose a la guerra
quien era mi paz.

por Paco Ibáñes:

quinta-feira, novembro 05, 2009

Luis Antonio por Mart'nália

Poema do Adeus
Luis Antonio

A luz vermelha que vai
Na estrada que sai
É o amor que diz adeus

Há na luz branca que vem
Na esperança de um bem
Um novo amor pros dias meus

Lá na janela do céu
Uma estrela ao léu
Me espia também

A sua luz é um guia
Na estrada vazia
Onde anda meu bem

Lá na esquina do mundo
Um amor tão profundo
Meu novo amor alguém

por Mart'nália:

quarta-feira, novembro 04, 2009

Jeanne Moreau

Vinicius de Moraes por Maria Bethânia e Jeanne Moreau

Poema dos olhos da amada
Vinicius de Moraes

Ô bien-aimée, quels yeux tes yeux
Embarcadères la nuit, bruissant de mille adieux
Des digues silencieuses
Qui guettent les lumières
Loin… si loin dans le noir
Ô bien-aimée, quels yeux… tes yeux
Tous ces mystères dans tes yeux
Tous ces navires, tous ces voiliers
Tous ces naufrages dans tes yeux
Ô ma bien-aimée aux yeux païens
Un jour, si Dieu voulait
Un jour… dans tes yeux
Je verrais de la poésie, le regard implorant
Ô ma bien-aimée, quels yeux… tes yeux

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

por Maria Bethânia e Jeanne Moreau:

segunda-feira, novembro 02, 2009

Pablo Neruda

Torquato Neto e Pablo Neruda por Titãs e Fito Paez
Titãs e Fito Paez sobre poema de Torquato Neto, com trecho do poema Farewell y Sollosos de Pablo Neruda

Go Back
Torquato Neto

Aunque me llames
Aunque vayamos al cine
Aunque reclames
Aunque ese amor no camine
Aunque eran planes y hoy yo lo siento
Si casi nada quedó
Fue sólo um cuento
Fue nuestra historia de amor
Y no te voy a decir si fue lo mejor
Pues
Sólo quiero saber lo que puede dar cierto
No tengo tiempo a perder



Farewell y Sollosos
Pablo Neruda

Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste, como yo, nos mira.
Por esa vida que árdera en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.
Por esas manos , hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.
Por sus ojos abiertos en la tierra.
veré en los tuyos lágrimas un día.
Yo no lo quiero, Amada.
Para que nada nos amarre
que no nos una nada.
Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron las palabras.
Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni sollozos junto a la ventana.
(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.
Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.
En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.
Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar.
Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.
Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.
Amor que quiere libertarse
para volver amar.
Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.)
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya que no se endulzará junto a ti mi dolor.
Pero hacia donde vaya llevaré tu miraday
hacia donde camines llevarás mi dolor.
Fui tuyo, fuiste mía.
Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.
Fui tuyo, fuiste mía.
Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.
Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacía dónde voy....
Desde tu corazón me dice adiós un niño.


por Titãs e Fito Paez:

quinta-feira, outubro 29, 2009

Mário Lúcio Sousa por Mayra Andrade

Palavra
Mário Lúcio Sousa

Palavra:
Cruzado é jogo
Trocado é intriga
Dado é cumprido
Faltado é falsia
D´amor é poesia

De Rei é Lei
De Senhor, Ámen
Mal scrito é erro
Bem scrito é arte
Firmado é promessa
Di bô é simplesmente um língua na nha boca

Palavra:
De vivo é vento
De morto é herança
De honra é aval
Às vezes é lamento
De ordi é pa grita

Gritado é força
Às vez é fraqueza
Rimado é beleza
Rumado é blá-blá
Xintido é oraçon
Di bô é simplesmente um língua na nha boca

Palavra:
A favor é argumento
Cantado é finaçon
Titubeado é gaguez
Truncado é mudez
Calado, hmm! Desconfia

De Romeu é Julieta
De Quixote é loucura
De Buda é sapiência
De Fidel, persistência
Di meu podi ser banal
Ma di bô é simplesmente um língua na nha boca

por Mayra Andrade:


Mário Lúcio Sousa, poeta cabo-verdiano.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Fernando Pessoa por Mônica Salmaso

Na Ribeira Deste Rio
(Dori Caymmi, sobre poema de Fernando Pessoa)

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vivendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa seqüência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Ele passa e eu confio

por Mônica Salmaso:

segunda-feira, outubro 26, 2009

Dionísio descobre Ariana (Le Nain - Séc. XVII)

Hilda Hist por Rita Ribeiro; Ângela Rô Rô e; Mônica Salmaso


I
Hilda Hist

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

por Rita Ribeiro:


V
Hilda Hist

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio
Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido
E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria

E no meu quarto se faz verbo de amor

por Ângela Rô Rô:


IX
Hilda Hist

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não me deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas suas águas.

por Mônica Salmaso:

Oração a São Jorge da Capadócia por Racionais Mc's; Caetano Veloso e; Jorge Ben

Oração a São Jorge da Capadócia
(Tradição Popular)

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos tendo pés, não me alcancem; tendo mãos, não me peguem; tendo olhos não me vejam e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Jesus Cristo me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus com sua Divina Misericórdia e grande poder seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meus inimigos. Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

por Racionais Mc's:



por Caetano Veloso:


por Jorge Ben:

sexta-feira, outubro 23, 2009


Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa por Maysa;
Roberto Ribeiro
e; Elizeth Cardoso

Bom dia, tristeza
(Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa)


Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você

Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar

por Maysa:


por Roberto Ribeiro
A tristeza é um bichinho que parrueta sozinho
E como rói a bandida
Parece rato em queijo parmesão.

(introdução de Adoniran Barbosa):


por Elizeth Cardoso:

Olavo Bilac por Kid Abelha

Ouvir Estrelas
Soneto XIII de Olavo Bilac

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

por Kid Abelha:


Pedido de Chélide Teixeira, valeu pela dica.

quinta-feira, outubro 22, 2009


Bertold Brecht por MPB4 para Ópera do Malandro

O Malandro
(Versão livre de Chico Buarque para Die moritat von mackie messer ou Mack the Knife)

O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé

O garçom/No prejuízo
Sem sorriso/Sem freguês
De passagem/Pela caixa
Dá uma baixa/No português

O galego/Acha estranho
Que o seu ganho/Tá um horror
Pega o lápis/Soma os canos
Passa os danos/Pro distribuidor

Mas o frete/Vê que ao todo
Há engodo/Nos papéis
E pra cima/Do alambique
Dá um trambique/De cem mil réis

O usineiro/Nessa luta
Grita "ponte que o partiu"
Não é idiota/Trunca a nota
Lesa o Banco/Do Brasil

Nosso banco/Tá cotado
No mercado/Exterior
Então taxa/A cachaça
A um preço/Assutador

Mas os ianques/Com seus tanques
Têm bem mais o/Que fazer
E proíbem/Os soldados
Aliados/De beber

A cachaça/Tá parada
Rejeitada/No barril
O alambique/Tem chilique
Contra o Banco/Do Brasil

O usineiro/Faz barulho
Com orgulho/De produtor
Mas a sua/Raiva cega
Descarrega/No carregador

Este chega/Pro galego
Nega arrego/Cobra mais
A cachaça/Tá de graça
Mas o frete/Como é que faz?

O galego/Tá apertado
Pro seu lado/Não tá bom
Então deixa/Congelada
A mesada/Do garçom

O garçom vê/Um malandro
Sai gritando/Pega ladrão
E o malandro/Autuado
É julgado e condenado culpado
Pela situação

por MPB4:

quarta-feira, outubro 21, 2009


Carlos Drummond de Andrade por José Miguel Wisnik


Anoitecer

Carlos Drummond de Andrade

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.

por José Miguel Wisnik:


Vinicius de Moraes e Maria Bethânia

Poética I / O Astronauta

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem.

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Quando me pergunto
Se você existe mesmo amor
Entro logo em órbita
No espaço de mim mesmo, amor

Será que por acaso
A flor sabe que é flor
E a estrela Vênus
Sabe ao menos
Porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor

Mas você, sei lá
Você é uma mulher
Sim, você é linda
Porque é.

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite tardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem.

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Quando me pergunto
Se você existe mesmo amor
Entro logo em órbita
No espaço de mim mesmo, amor

Será que por acaso
A flor sabe que é flor
E a estrela Vênus
Sabe ao menos
Porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor

Mas você, sei lá
Você é uma mulher
Sim, você é linda
Porque é.

terça-feira, outubro 20, 2009

Paulo Leminski por Vânia Abreu; Zizi Possi e Marcos Suzano; José Miguel Wisnik e Ná Ozzetti

Além Alma
(Paulo Leminski por Vânia Abreu)

Meu coração lá de longe faz sinal que quer voltar
Já no peito trago em bronze não tem vaga nem lugar
Pra que me serve um negócio que não cessa de bater
Mas me parece um relógio que acaba de enlouquecer
Pra que que eu quero quem chora se eu estou tão bem assim

E o vazio que vai lá fora, cai macio dentro de mim





Filhos de Santa Maria
(Paulo Leminski e Itamar Assumpção por Zizi Possi e Marcos Suzano)

Hoje eu saí lá fora
Como se tudo já tivesse havido
Já tivesse havido a guerra
A festa
Já tivesse havido
E eu, e eu, e eu
Fosse puro espírito
Aqui tô eu pra te proteger
Dos perigos da noite, do dia
Sou fogo, sou terra, sou água, sou gente
Eu também sou filha de Santa Maria
Se dona Maria soubesse
Que o filho pecava e pecava tão lindo
Pegava o pecado e jogava de lado
E fazia da Terra uma estrela
Sorrindo





Polonaise
(Paulo Leminski por José Miguel Wisnik e Ná Ozzeti)

Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas,
na minha infância campestre, celeste,
na mocidade de alturas e loucuras,
na minha idade adulta, idade de desdita;
choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas...

quinta-feira, junho 07, 2007

Para fazer download das poesias musicadas basta clicar no link de cada post e depois, no final da página que abrir, apertar em "Download Link: [nome do arquivo.mp3]"

domingo, fevereiro 25, 2007


Vinicius de Moraes

Samba da Benção

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além da beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração

Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é de brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas a viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceirinho cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Que não és um só, és tantos, tantos

como o meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

Vinicius de Moraes e Baden Powell

Download em:
http://www.sendspace.com/file/4gzt0t

Baden Powell no violão e Vinicius de Moraes recitando "O Poeta e a Lua"

O poeta e a lua

Em meio a um cristal de ecos
O poeta vai pela rua
Seus olhos verdes de éter
Abrem cavernas na lua.
A lua volta de flanco
Eriçada de luxúria
O poeta, aloucado e branco
Palpa as nádegas da lua.
Entre as esfera nitentes
Tremeluzem pelos fulvos
O poeta, de olhar dormente
Entreabre o pente da lua.
Em frouxos de luz e água
Palpita a ferida crua
O poeta todo se lava
De palidez e doçura.
Ardente e desesperada
A lua vira em decúbito
A vinda lenta do espasmo
Aguça as pontas da lua.
O poeta afaga-lhe os braços
E o ventre que se menstrua
A lua se curva em arco
Num delírio de luxúria.
O gozo aumenta de súbito
Em frêmitos que perduram
A lua vira o outro quarto
E fica de frente, nua.
O orgasmo desce do espaço
Desfeito em estrelas e nuvens
Nos ventos do mar perpassa
Um salso cheiro de lua
E a lua, no êxtase, cresce
Se dilata e alteia e estua
O poeta se deixa em prece
Ante a beleza da lua.
Depois a lua adormece
E míngua e se apazigua...
O poeta desaparece
Envolto em cantos e plumas
Enquanto a noite enlouquece
No seu claustro de ciúmes.

Vinicius de Moraes